terça-feira, 24 de abril de 2012

Freud e os cachorros de Cervantes

            Já é bastante conhecida a história de que, ainda na infância, Freud passara das leituras bíblicas para as de Shakespeare e Cervantes. Que, na adolescência, viajara insone pelo magnífico mundo da literatura deixando em sua vasta correspondência rastros do seu estilo. Legando assim um conjunto de textos pessoais cujo valor ultrapassa o da informação biográfica. As marcas deixadas em suas cartas juvenis sugerem uma formação literária precoce que prenunciam sua sagacidade futura na abordagem de questões psicológicas. Elas nos dão a impressão de que cada virada de página desfolhava um conjunto de questões que, numa fase ulterior, seriam as fontes incitantes de seu espírito engenhoso.
            Tão complexa e romanesca quanto a estrutura familiar na qual Freud se constitui são as relações literalmente familiares que estabeleceu com suas obras, autores e personagens preferidos. Por vezes, cognominando a si próprio com nomes de personagens de romances, noutras designando suas crias teóricas com sobrenomes da estirpe literária.
            Em toda extensão de sua obra o Pai da psicanálise dá a ver o gosto que faz em estabelecer os laços de aliança desta sua filha dileta com a tradição literária. O complexo psicológico mais importante, sem o qual, segundo ele próprio, a família da psicanálise estaria dissolvida, recebe o nome de “Édipo”. Noutra cena clássica de sua vasta obra, o personagem da mitologia grega “Narciso” inspirar-lhe-ia outro conceito fundamental, este batizado com o epíteto de “narcisismo”.
            A formação cultural de Freud tem, portanto, na literatura um traço tão definido que, se não podemos atribuir-lhe o papel de esteio, ou mesmo de andaime do edifício da psicanálise, também não podemos negar que é a partir da littera, da natureza literária de sua obra, presente em sua escritura que se desenvolvem a forma, o estilo e, porque não dizer, a beleza e a garantia de sua teoria.
            Na adolescência, em sua correspondência escrita em castelhano, e dirigida a E. Silberstein, Freud assina com o cognome Cipion e trata o amigo com quem se correspondia como Berganza, nome de dois cães personagens de um conto de Cervantes. Durante o curso de medicina afirmava que preferia Cervantes aos livros de anatomia cerebral.  Podemos supor que estaria já aí, na preferência pela disposição à “escuta” de Cipion e pelo “desejo de falar” de Berganza, os rudimentos de um dilema bem posterior, questão fundadora da psicanálise: a saber, a importância conferida à palavra em detrimento do puro funcionamento orgânico das estruturas neurais. Sem dúvida, não podemos deixar de reconhecer no diálogo presente em El coloquio de los perros o prenúncio do que mais tarde viria se repetir na fundação da própria psicanálise, a inauguração de um tratamento que consiste fundamentalmente num sujeito que escuta a fala do outro, em detrimento de uma abordagem que atribuísse aos sofrimentos subjetivos razões puramente orgânicas.
            Marialzira Perestrello fez alusão a esta questão no livro “A Formação Cultural de Freud” citando um trecho do diálogo entre os dois cães personagens de Cervantes que extraímos e apresentamos abaixo:
 
Berganza:  Desde que tive forças para roer um osso, tive o desejo de falar, para dizer coisas que depositava na memória e aí, antigas e muitas, ou se amorteciam ou as esquecia. Porém agora, que tão sem pensar, me vejo enriquecido deste dom divino da fala, penso gozá-lo e aproveitar-me dele o mais que possa, apressando-me em dizer tudo aquilo de que me lembre, ainda que seja de um modo atropelado e confuso.
Cipión (mais adiante): Fala até que amanheça ou até que nos ouçam, que eu te escutarei de muita boa vontade sem impedir-te, senão quando ache necessário.
            No atual estágio da ciência, sobretudo em sua feição tecnocientífica ou fáustica- para ficarmos na seara de nossa preferência- advogar que em excertos literários estariam as fontes primárias de algum saber de aplicação clínica, poderia ser tomado como uma leviandade, não fosse o peso que tem o fato de os homens continuarem a recobrir seus neurônios com símbolos das mais variadas tintas. Que tanto preenchem sua humanidade quanto o mundo cheio de preás da cadela Baleia de Graciliano.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A Aba do paPoÉtico

Zema Lança
Papai baba
A aba do paPoÉtico
Outrora etílica
Ágora ética
A trupe trepa
Na (f) ilha
Quatrocentona
O Paulão do Poeta.
Na asa do carcará
O sema do Zema geme
Poiésis
Engenhos
da gema
decantada
D
E
G
L
U
T
I
D
A
Com o fel do fidalgo.
Da aba do seu chapéu
Cai Coxinho canibal
Novilho brasilnu
De sotaque modernista
De dentição tropical
Que surfa na aba - poru
Só pra comer Explorer
Navegador digital