sábado, 29 de março de 2014

A Política Oprimida

                                                   
           Corrupção. Incompetência. Ganância pelo poder. Estes são os atributos mais comuns que os críticos apontam nos políticos. Amiúde, os mesmos predicados presentes nas críticas que costumamos ver endereçadas a nossa sociedade. Surge, então, a pergunta: tais qualidades seriam reflexos da sociedade, ou as mazelas da sociedade provêm da inépcia dos políticos? Em primeiro lugar, é preciso dizer que o julgamento popular do desempenho e comportamento de políticos, na maioria das vezes, incorre numa contradição. Em definição clássica, a Política seria a arte e a ciência de governar a sociedade; logo os culpados pelos desgovernos da sociedade, num sistema representativo, deveriam ser os políticos de um modo geral. E é isso mesmo que as pesquisas do IBOPE, realizadas depois dos protestos de 2013, mostram. Os dados da pesquisa revelam que 60% da população não têm confiança nos partidos políticos nem no Congresso Nacional e 56% não confia no Governo Federal. Enquanto isso, instituições como os bombeiros, as igrejas e as forças Armadas possuem alto índice de aprovação. Conclui-se que as instituições sociais continuam a gozar de prestígio que no Sistema Político escasseia.  
Críticas cotidianas e fáceis a políticos e a governos têm suas justificativas. Embora a corrupção endêmica e a incompetência não sejam atributos exclusivos dessa esfera da vida social. Mas para ir além da crítica fácil, é preciso filosofar um pouco e perguntar-nos de onde vem a separação atual entre a Política e os políticos. Entre governos e políticos de um lado (ou seja, a política representativa) e a própria Política (enquanto uma dimensão da vida social) de outro.
Esta separação entre Política e políticos parece explicar a eleição e o sucesso de público da própria Presidenta. Vindo dos bastidores da governança ela se elegeu e parece governar mantendo distância do Congresso e dos partidos. Ou, pelo menos, é o que tenta parecer. O agravamento das condições sociais reais (na mesma direção do crescimento econômico) talvez tenha levado a esta separação. Vejamos um exemplo simples e eloquente: São Luís levou 348 anos para atingir a marca de 150.000 habitantes; antes do aniversário de quatrocentos anos, já havia chegado a um milhão de espremidos em ruas, avenidas, shoppings, hospitais, ônibus e bairros populosos. Num intervalo de 05 décadas a população cresceu mais de seis vezes, o que demorou três séculos e meio para alcançar. Considerado o ritmo de crescimento medido pelo IBGE, a cada década emergirá um contingente populacional igual ao que habitava a cidade na década de 1960. Se tomarmos a população da década de 1960 como unidade, teremos uma São Luís a mais em cada década vindoura. Bastante proporcional ao crescimento populacional é o numero de mortes por arma de fogo. De acordo com o Mapa da Violência 2013, na última década houve um crescimento de 267,4% neste indicador de violência. A cidade torna-se assim um desafio extraordinário para qualquer governança. E a Política para que serve?
É preciso destacar que problemas complicados como esses não estão nem no discurso, nem no horizonte de partidos políticos ou das câmaras legislativas. A expectativa de “soluções” (e não do necessário debate político para alcança-las) é depositada mais na governança do que na Política, o que se torna uma flagrante contradição. Nesse contexto, resta ao cidadão apenas denunciar e/ou pedir. Assim, para a finalidade de governança as ideologias e críticas sociais mais amplas são, muitas vezes, desprezadas. Oprimida pela urgência do real da sociedade em pânico, e impotente em seus mecanismos e discursos, a Política tende a se reduzir a disputas intestinas. E a ter decretada sua própria exclusão como forma de pensar destinos sociais. O matiz de cada “grupo” (fala-se mais de grupo do que de partido) que chega ao Governo apenas muda o foco embaçado da governança. Embora a alternância entre grupos possa representar alguma diferença no “jogo político”, a forma como está sendo jogado encerra a mesma incapacidade de produzir transformações sociais, políticas, econômicas significativas. A cada vez que um “grupo” derrota o oponente, resta-lhes a missão de devorar o prato frio da vingança: a administração de sua manutenção no poder e a gestão impossível da crise social crescente.
Por outro lado, num cenário político em que a Política torna-se infértil, resta o debate sobre os atributos dos líderes. Aí o palco apresenta-se livre para heróis, vilões e tragédias. No início dos anos 90, em meio a uma crise econômica, vivemos um Brasil em que a "opinião pública" era cegamente apaixonada pelo então "caçador de marajás". Não foi preciso esperar o terceiro ato para saber no que deu. Hoje, vemos um ministro do Supremo prestando-se ao mesmo papel. E ao que tudo indica, o herói da ocasião está, mais uma vez, a um passo da vilania.
Isto nos revela que apenas uma sociedade politicamente frágil não pode prescindir de heróis. Dependente de ilusões, numa escala que pode variar de totens a celebridades, ela pode sim abrir mão das instituições, da educação e da formação espiritual (ingredientes da tão sonhada ética).
Numa sociedade assim a impossibilidade da Pólis aniquila o cidadão (termo que vem do grego Politikós); A distância do Sistema Político em relação aos cidadãos na sociedade contemporânea apresenta consequências por demais eloquentes. O cidadão perdeu a capacidade de governar os negócios públicos. A distância entre representante e representado faz da política profissão, concurso público. Não havendo possibilidade de governar, a política reduz-se ao cinismo do poder para si. E a Cidade, ideal grego, transfigura-se num cogumelo atômico; quanto mais se expande, mais expressa a potência da bomba nela encravada.