terça-feira, 7 de abril de 2015

O ministro filósofo

                                                           Jarbas Couto e Lima
Professor da UFMA. Doutor em linguística pela UNICAMP.
A nomeação do professor-titular da cadeira de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, para Ministro da Educação repercutiu bem no meio acadêmico. Autor de livros como "A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil" (2000, Prêmio Jabuti de 2001) e "A universidade e a vida atual - Fellini não via filmes" (2003), “O afeto autoritário” (2004), “A ética na política” (2006) e “Política para não ser idiota” (2012), este com Mário Sergio Cortella, o filósofo tomou posse como ministro no dia 06 de Abril.
Com um perfil diferente de seus quatro antecessores no ministério, Renato Janine candidatou-se apenas a um cargo eletivo, sem sucesso. À presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), de cujo Conselho e Diretoria fora membro. Ocupou também cargos de fomento de pesquisa e avaliação educacional, como o Conselho Deliberativo do CNPq e a Diretoria da Capes.
Parece sensato que alguém com este perfil seja conduzido ao cargo de Ministro da Educação. Perfil que a política brasileira costuma tratar, pejorativamente, como “técnico”. Como exceção à regra de se nomearem apenas “políticos”. Regra de escolha, amiúde, partidária, como todos nós sabemos. Evidentemente, obedecendo a critérios de rateio do governo com “apoiadores” de campanha.
Curiosamente, a escolha de um perfil acadêmico para o cargo coincide com a imensa crise política por que passa o país. E com o rotundo fracasso de um político de carreira, que foi alçado ao ministério mais pela prudência política do que pela envergadura intelectual, ou pelo percurso na área.
A despeito de seu perfil “técnico”, Janine Ribeiro, um dos maiores estudiosos brasileiros de Thomas Hobbes, é uma personalidade tão antiga quanto atual na reflexão política brasileira. Recolho aqui o artigo “Corrupção em casa: os perigos do universal”, publicado em O Estado de São Paulo de 16 de fevereiro de 1990. Republicado em “A ética na política” (Lazulli Editora, 2006).
 Nesse artigo, Renato Janine comenta dois episódios de desvio de dinheiro público na gestão municipal do PT, em 1989. O pagamento por empresas públicas municipais de São Paulo de uma viagem de trabalhadores sem terra e de um curso sobre sindicalismo. Ante as conhecidas praticas do então governador Paulo Maluf (aspirante à sucessão presidencial indireta em 1984, enviara flores pagas com dinheiro público às esposas de políticos, antes de uma convenção partidária que definiria o candidato), Janine admitia duas atenuantes morais que diferenciavam o episódio no governo petista das práticas malufistas, comuns na política brasileira. A primeira atenuante, o PT tomou a iniciativa do debate interno e da punição dos envolvidos. A segunda, o dinheiro destinou-se a causas políticas e não a pessoas.
Pondera, contudo, esta segunda atenuante. Avalia como o componente mais grave: “que militantes de esquerda possam achar que, ao canalizarem a função pública (e verbas oficiais) para um uso partidário, e não para vantagens pessoais estejam acima do Estado de Direito”. Distingue uma particularidade naquele episódio petista, em relação à velha tradição brasileira da corrupção e do patrimonialismo. O problema estaria noutro lugar. Em crer que esse tipo de desvio estaria justificado pelo objetivo de defender interesses “universais”. Essa ideia teria como fundamento a concepção de que a classe operária é “o sujeito que resgatará a história de sua parcialidade”, o sujeito Universal. Assim, em nome da emancipação da classe trabalhadora, em nome do sujeito Universal, as regras da Administração pública poderiam ser relaxadas.
Com muita antecedência histórica (o artigo é de 1990) o filósofo alertava para o que se tornou recorrente hoje em dia. O aprofundamento de uma prática de ruptura da fronteira que distinguia a esquerda da mais velha tradição brasileira de corrupção e patrimonialismo. A partir daí, em nome do operariado, portador do universal, todo ato político se justificaria eticamente como estratégia.
Onde estaria o erro - ou o autoengano? Segundo Janine Ribeiro, em não se enxergar como a experiência histórica e o mundo contemporâneo tem demonstrado a falência da concepção de que o operariado traz consigo o Universal, o bem comum (crise do socialismo real, potencialização da Ideologia burguesa através da mídia, prevalência da tecnologia sobre a força de trabalho humana, etc.)
Os fatos históricos do Brasil, decorridos desde a publicação do artigo de Renato Janine, confirmam seus argumentos. Acrescentaria de minha lavra uma opinião: o fracasso da emancipação da classe trabalhadora como representação do Universal legou à esquerda uma confusa racionalidade populista. Assim, as “conquistas populares” mantiveram-se como forma de justificar toda prática política.  A ascensão do Partido dos Trabalhadores ao Governo, por efeito do desencanto neoliberal, trouxe todos os ingredientes que fazem o episódio de 1989, na prefeitura de São Paulo, parecer inocente. Um pecado menor, mas que continha em si o germe de sua posterior manifestação exuberante.  
O professor de ética e filosofia Renato Janine Ribeiro não é apenas uma escolha “técnica”, mas a possibilidade concreta se reatar os laços com o debate filosófico e ético na política. O simples fato de alguém com essa capacidade de análise política ter aceitado o cargo nos faz crer que há vida no governo Dilma.

Que o erro político de consequências éticas do Partido dos Trabalhadores, previsto pelo filósofo, não devore a possibilidade de experimentarmos os efeitos de sua filosofia e de sua ética na gestão da educação brasileira!