sábado, 20 de julho de 2013

A rua é a maior (arqui)bancada do Brasil.


Os protestos que vemos estourar nas principais capitais brasileiras ainda carecem de um entendimento mais profundo. Os cronistas políticos e intelectuais que costumam comentar esses fatos se dizem “atordoados”. Nem mesmo os governos sabem qual o sentido exato das manifestações. Podemos mesmo afirmar que esse sentido exato não existe.
Pelo que vemos, a mobilização inicialmente organizada do movimento social Passe Livre, em torno de reivindicações claras sobre revogação do aumento das passagens de ônibus, se difunde por intermédio das redes sociais e alcança dimensões inesperadas. Algumas questões debatidas cotidianamente nessas redes podem nos dar uma pista sobre a rápida expansão do movimento: abaixo à corrupção na burocracia e na política (em todos os partidos), não à violência urbana, por transportes públicos de qualidade, por escolas públicas decentes, por universidades em pleno funcionamento, pelo acesso a bens culturais de qualidade, contra o consumismo e a concentração de renda, pelo respeito e melhor salário para os professores, etc. tudo isso contraposto aos bilhões de reais investidos em projetos megalomaníacos para a Copa. Estes temas dão força ao discurso em rede que move as passeatas caudatárias das insatisfações.
Embora as redes sociais sejam importantes para a motivação e organização dos protestos, resta muito a ser explicado. Há um paradoxo intrigante: há muitas razões para o movimento acontecer, ao mesmo tempo em que não há nenhuma razão objetiva que explique as dimensões por ele alcançadas. Entre os ataques com balas de borracha de policiais paulistas a manifestantes (quinta-feira, 13/06) e a ida de multidões às ruas (segunda-feira 17/06), Ferreira Gullar publicou um artigo na Folha no qual ressalta o importante papel político que um pequeno grupo teatral, o Grupo Opinião, desempenhou na liderança da Passeata dos 100 mil. Segundo ele, tudo começou contra as ações localizadas de censura às peças teatrais e desembocou num movimento amplo contra a ditadura militar. Como no movimento atual, tudo começou pequenininho e foi tomando proporções monstruosas. A diferença mais surpreendente é que naquele momento, havia uma ditadura implantada. Fica a pergunta: estariam obstruídos os canais da expressão política hoje, mesmo que formalmente abertos?
Para responder a esta pergunta, é preciso, em primeiro lugar, reconhecer que, entre as margens do vandalismo e da violência policial, há um movimento forte e legítimo de expressão política da sociedade. Marcado pelo importante papel dos estudantes como seus líderes intelectuais, fazendo ressoar a voz rouca das ruas que já faz tremer governos. Os amplos setores da classe média relativamente esclarecida, insatisfeitos com os espetaculares absurdos midiáticos cotidianos, já veem na juventude (mais uma vez) capacidade e coragem de expressar sua indignação. Mesmo que não se saiba exatamente com o que, nem se julgue necessário saber. Parece mesmo é que se quer dar um basta a “tudo isso que está aí”: das negociatas políticas intestinas aos descasos com a educação, saúde, segurança e transporte, acumulados e justificados na esteira dos avanços que o país alcançou nos últimos anos.


Se a classe média busca expressão política nas ruas, é que não há, pelo menos no momento, outra via confiável. Mais descredenciados que os vândalos infiltrados nas passeatas e os policiais perversos atirando contra multidões estão os políticos. Exemplo disso é a exclusão e o emudecimento de todos num contexto político tão agudo. Calam-se como que assumindo sua inocuidade na discussão dos verdadeiros interesses do país. Aí talvez esteja a chave da questão: a política atual, isolada em seus próprios interesses, distanciou-se da vida real (o que inclui o mundo virtual). A retomada da via democrática, como sempre, o povo só conquista nas ruas. Até que a política mude, a rua continuará sendo a maior (arqui)bancada do Brasil!