domingo, 6 de julho de 2014

Estúpido futebol

Atribui-se ao escritor argentino Luiz Borges a seguinte afirmação: “o futebol é universal porque a estupidez humana é universal”. Não posso confirmar a veracidade, mas gostei da frase. Talvez, por isso mesmo, por comportar a estupidez humana, o futebol seja o mais inquietante e humano dos esportes. De fato, toda bola suja, pelada e descalça de campinho de quintal carrega uma teoria redondinha do universo. Para Pascal "O Universo é uma esfera infinita cujo centro está em toda parte e a circunferência em parte nenhuma.” Lendo a afirmação de Borges pelo avesso, chega-se a que a estupidez humana é universal e infinita como uma bola de futebol.
“É milenar, é milenar, a invenção do futebol” diz o samba da Beija-Flor de Nilópolis. A antiguidade da invenção talvez tenha deixado a impressão em Borges de que estupidez humana tenha nascido com o futebol. Desconfio, no entanto, que esta seja anterior ao próprio homem. Um atributo da vida, da biologia. O homem nasce mesmo é com o futebol. O futebol é apenas tão redondamente estúpido, antigo e universal quanto o homem humano de cada um de nós. “Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é o homem humano. Travessia ”(Guimarães Rosa).
Se precisássemos personalizar a estupidez do futebol, encontraríamos no árbitro a figura perfeita. Que milionário se prestaria a ser xingado por uma multidão, embaixo de sol a pino, metendo-se voluntariamente numa disputa apaixonada entre duas nações? O senhor Jonas Eriksson, árbitro sueco da partida Brasil x Camarões. A máxima nietzsheana "não existem fatos, apenas interpretações" deveria ser o lema dos árbitros, esses paradigmas da estupidez humana. Tudo pelo poder. Na trama da disputa é dos “senhores de preto” o poder supremo da interpretação, da construção da verdade. Tornamo-nos súditos no reinado do apito. Curvados perante reis de Suécia, de Espanha, ou da Cochinchina, aceitamos com resignação “erros" (interpretações) que muito nos desagradam.
Acontece que, apesar de todo poder, os árbitros continuam estupidamente humanos. Simplesmente, não enxergam direito. As câmeras veem tudo, os árbitros não. Comete-se o zotismo de compará-los. Câmeras, contudo, só servem aos críticos. É coisa para depois do espetáculo. Na boca da cena, o poder do apito continua absoluto. Alguns jogadores conhecem bem a cegueira destes senhores e dela se utilizam. No jogo contra a Colômbia o jogador colombiano fez um golpe de luta livre parecer um acidente de trabalho. Não pretendemos demonizar o jogador colombiano. Há quem diga que a entrada com o joelho na coluna vertebral de Neymar foi apenas para fazer a falta, matar a jogada. Mas é preciso saber distinguir entre estupidez e violência. Presumir um lance desse como normal é substituir a primeira pela segunda. O árbitro está ali para preservar a poesia do futebol, a integridade dos craques, com tudo o que esses seres têm de parvos.
            A violência não pode ser acolhida no futebol com cordialidade. Seria a intromissão da estupidez da vida real na estupidez do esporte. Não podemos aceitar que a violência invada sorrateira este setor sublime da cultura, suporte da estupidez humana. Se matarmos o craque (ainda que metaforicamente), choraremos como carpideiras no velório da poesia. Mais do que punir o jogador colombiano é preciso medidas para coibir esse tipo de entrada, como se fez com o carrinho por trás.
       Definitivamente, não só o time da Espanha abdicou de seu reinado na Copa. O árbitro espanhol também esqueceu as cores de sua bandeira e nelas os cartões. Uma estupidez!!!