segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Candidato Hitchcock

Uma noite dessas, como alternativa ao horário eleitoral, assisti “O Homem Errado”, do grande diretor Alfred Hitchcock. O filme conta a história de uma injustiça causada por um equívoco, desses bastante verossímeis. Um músico dedicado e pai de família (Henry Fonda) é confundindo com um assaltante de banco, quando sua mulher (Vera Miles) precisa de 300 dólares para tratar os dentes e ele vai à agência saber quanto pode levantar de empréstimo com uma apólice de seguros. Identificado pelos funcionários, dada a semelhança física, como o assaltante que roubara o banco um ano antes, ele é indiciado e passa a sofrer toda sorte de constrangimentos. Por mais que negasse a autoria dos assaltos, todo o enredo em que se envolveu apontava para o músico como único autor desse e de outros crimes. Logo percebi que a troca do horário eleitoral pelo filme não havia sido tão vantajosa assim. Não, simplesmente, por ser do gênero policiesco, que permitiria confundi-lo facilmente com a política na atualidade. Mas, pelo tipo de confusão ética, que toma um homem honesto por um ladrão assumido. Esse tipo de confusão inevitável, por nossas limitações humanas. Ainda que, no caso de alguns políticos, ao contrário do filme, o equívoco consista em tomar-se rato por lebre. O personagem injustiçado do filme, por sua vez, parece-se mais com aqueles raros bons políticos que, no contexto atual da política, vivem a impossibilidade de sustentar cabalmente sua conduta. Não simplesmente a impossibilidade de distinguir-se, por suas virtudes, dos demais candidatos, mas a impossibilidade de defender e colocar em prática suas ideias de forma clara. Alguns assumem a impossibilidade com resignação e continuam numa luta política silenciosa, outros adotam atitude semelhante à do personagem do filme, ao defenderem-se das desconfianças e acusações da opinião pública. Com isso, deixam de propor políticas, de conduzir projetos, de assumir posições claras, para entregar-se à tarefa de livrar-se dos riscos da impopularidade. Estes bem sabem que para os eleitores da cultura midiática, assim como de resto para investigadores e juízes modernos, o princípio do livre convencimento não se sustenta apenas em provas. Ainda que candidatos tenham o direito de dar provas de sua conduta, o eleitor, em seu exame, é livre para crer ou não no que tais provas pretendem provar. O eleitor moderno não baseia sua decisão numa verdade prévia, num real dos fatos, mas naquele enredo que lhe pareça mais verossímil. Daí o sucesso dos marqueteiros... Mas, resta ainda a pergunta: que política é essa na qual candidatos sustentam ou reajustam seus ideais políticos em função das pesquisas de opinião? Que enredo se quer construir, quando se vai escrevendo ao sabor dos leitores? Que verossimilhança a política exige para se politizar? Segundo o Dicionário Aurélio, “verossímil” não é propriamente o verdadeiro, o real. “Verossímil” significa “1.Semelhante à verdade. 2. Que parece verdadeiro; provável.” No filme de Hitchcock (em muito dos seu filmes o diretor joga com a verdade e o verossímil) tudo fazia crer que o músico era mesmo o assaltante. Da mesma forma, a impressão da verdade que a ficção política consegue provocar no eleitor é algo do qual não podemos nos livrar hoje em dia. Talvez seja isso mesmo que peçamos em tempos midiáticos, uma política literatura (de folhetim), mais do que uma literatura política. Ainda que sejamos, frequentemente, convocados a absolver nossas escolhas presentes e futuras. Na política atual, como nos filmes de Hitchcock, sempre estaremos fundamentalmente equivocados. Entretanto, vale a pena o esforço intelectual para diferenciar o horário eleitoral de uma obra de ficção.