Corrupção. Incompetência.
Ganância pelo poder. Estes são os atributos mais comuns que os críticos apontam
nos políticos. Amiúde, os mesmos predicados presentes nas críticas que
costumamos ver endereçadas a nossa sociedade. Surge, então, a pergunta: tais qualidades
seriam reflexos da sociedade, ou as mazelas da sociedade provêm da inépcia dos
políticos? Em primeiro lugar, é preciso dizer que o julgamento popular do
desempenho e comportamento de políticos, na maioria das vezes, incorre numa
contradição. Em definição clássica, a Política seria a arte e a ciência de
governar a sociedade; logo os culpados pelos desgovernos da sociedade, num
sistema representativo, deveriam ser os políticos de um modo geral. E é isso
mesmo que as pesquisas do IBOPE, realizadas depois dos protestos de 2013,
mostram. Os dados da pesquisa revelam que 60% da população não têm confiança
nos partidos políticos nem no Congresso Nacional e 56% não confia no Governo Federal.
Enquanto isso, instituições como os bombeiros, as igrejas e as forças Armadas
possuem alto índice de aprovação. Conclui-se que as instituições sociais
continuam a gozar de prestígio que no Sistema Político escasseia.
Críticas cotidianas e fáceis a
políticos e a governos têm suas justificativas. Embora a corrupção endêmica e a
incompetência não sejam atributos exclusivos dessa esfera da vida social. Mas
para ir além da crítica fácil, é preciso filosofar um pouco e perguntar-nos de
onde vem a separação atual entre a Política e os políticos. Entre governos e políticos
de um lado (ou seja, a política representativa) e a própria Política (enquanto
uma dimensão da vida social) de outro.
Esta separação entre Política e
políticos parece explicar a eleição e o sucesso de público da própria Presidenta.
Vindo dos bastidores da governança ela se elegeu e parece governar mantendo
distância do Congresso e dos partidos. Ou, pelo menos, é o que tenta parecer. O
agravamento das condições sociais reais (na mesma direção do crescimento
econômico) talvez tenha levado a esta separação. Vejamos um exemplo simples e
eloquente: São Luís levou 348 anos para atingir a marca de 150.000 habitantes;
antes do aniversário de quatrocentos anos, já havia chegado a um milhão de
espremidos em ruas, avenidas, shoppings, hospitais, ônibus e bairros populosos.
Num intervalo de 05 décadas a população cresceu mais de seis vezes, o que
demorou três séculos e meio para alcançar. Considerado o ritmo de crescimento
medido pelo IBGE, a cada década emergirá um contingente populacional igual ao
que habitava a cidade na década de 1960. Se tomarmos a população da década de
1960 como unidade, teremos uma São Luís a mais em cada década vindoura.
Bastante proporcional ao crescimento populacional é o numero de mortes por arma
de fogo. De acordo com o Mapa da Violência 2013, na última década houve um
crescimento de 267,4% neste indicador de violência. A cidade torna-se assim um
desafio extraordinário para qualquer governança. E a Política para que serve?
É preciso destacar que problemas
complicados como esses não estão nem no discurso, nem no horizonte de partidos políticos
ou das câmaras legislativas. A expectativa de “soluções” (e não do necessário
debate político para alcança-las) é depositada mais na governança do que na
Política, o que se torna uma flagrante contradição. Nesse contexto, resta ao
cidadão apenas denunciar e/ou pedir. Assim, para a finalidade de governança as
ideologias e críticas sociais mais amplas são, muitas vezes, desprezadas. Oprimida
pela urgência do real da sociedade em pânico, e impotente em seus mecanismos e
discursos, a Política tende a se reduzir a disputas intestinas. E a ter
decretada sua própria exclusão como forma de pensar destinos sociais. O matiz
de cada “grupo” (fala-se mais de grupo do que de partido) que chega ao Governo
apenas muda o foco embaçado da governança. Embora a alternância entre grupos possa
representar alguma diferença no “jogo político”, a forma como está sendo jogado
encerra a mesma incapacidade de produzir transformações sociais, políticas,
econômicas significativas. A cada vez que um “grupo” derrota o oponente,
resta-lhes a missão de devorar o prato frio da vingança: a administração de sua
manutenção no poder e a gestão impossível da crise social crescente.
Por outro lado, num cenário
político em que a Política torna-se infértil, resta o debate sobre os atributos
dos líderes. Aí o palco apresenta-se livre para heróis, vilões e tragédias. No
início dos anos 90, em meio a uma crise econômica, vivemos um Brasil em que a
"opinião pública" era cegamente apaixonada pelo então "caçador
de marajás". Não foi preciso esperar o terceiro ato para saber no que deu.
Hoje, vemos um ministro do Supremo prestando-se ao mesmo papel. E ao que tudo
indica, o herói da ocasião está, mais uma vez, a um passo da vilania.
Isto nos revela que apenas uma sociedade
politicamente frágil não pode prescindir de heróis. Dependente de ilusões, numa
escala que pode variar de totens a celebridades, ela pode sim abrir mão das instituições,
da educação e da formação espiritual (ingredientes da tão sonhada ética).
Numa sociedade assim a impossibilidade
da Pólis aniquila o cidadão (termo que vem do grego Politikós); A distância do Sistema
Político em relação aos cidadãos na sociedade contemporânea apresenta
consequências por demais eloquentes. O cidadão perdeu a capacidade de governar
os negócios públicos. A distância entre representante e representado faz da
política profissão, concurso público. Não havendo possibilidade de governar, a
política reduz-se ao cinismo do poder para si. E a Cidade, ideal grego,
transfigura-se num cogumelo atômico; quanto mais se expande, mais expressa a
potência da bomba nela encravada.