terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Resenha sobre "O Campanário da Padroeira: subsídios para a história de Colinas", de autoria do historiador Paulo Eduardo de Sousa Pereira


O livro O Campanário da Padroeira: subsídios para a história de Colinas, de autoria do historiador Paulo Eduardo de Sousa Pereira é uma pesquisa cuidadosa, metódica e fundamentada em informações consistentes sobre a história de Colinas. Até agora é a mais completa pesquisa já realizada sobre o aquela região ducentenária do Maranhão. Prof. Paulinho, como é conhecido pelos seus alunos, é graduado em história pela UEMA e professor de ensino médio em Colinas, mas seu livro tem as características de uma boa tese de doutorado. A diferença está no fato de que é muito melhor de ler do que uma tese. A qualidade literária impressa em sua escrita dá ao livro ares de romance, o que o torna emocionante e prazeroso. É um livro espirituoso no qual sentimos a presença da alma do autor, sua paixão pela história, sua devoção a Nossa Senhora da Consolação, sem perder a envergadura científica.Longe de ser um livro provinciano, como poderia sugerir o tema à primeira vista, os fatos históricos locais de que trata estão sempre expostos sobre uma contextualização do mesmo período na história nacional e regional. Assim, a ocupação do Sertão dos Pastos Bons, que dá origem a Colinas, é historicamente situada na expansão pastoril advinda da Bahia e de Pernambuco, na promoção da navegação do Rio Itapecuru resultante dos avanços econômicos das reformas pombalinas e na implantação do Arraial do Príncipe Regente. Este último fundado por ordem do Governador do Maranhão, D. Francisco de Melo Manuel da Câmara, em 1807, próximo ao encontro do Rio Alpercatas com o Itapecuru, torna-se o primeiro núcleo de povoamento da região, habitado à época por 215 pessoas.Apesar da pesquisa documental em primeira mão, das fontes arquivísticas, da tradição oral e das entrevistas realizadas, o autor não abre mão do diálogo com as obras já publicadas sobre Colinas. São amplas as referências a autores como José Osano Brandão, Wilson Coimbra, Antônio Fonseca dos Santos Neto, Alice Coelho Raposo, José Sérgio dos Reis Júnior e Antônio Luiz de Macedo Costa que nos presenteia com maravilhoso prefácio.Como colinense não posso esconder que algumas sutilezas da narrativa, como uma varinha de condão, despertaram flashes da minha memória a cada momento. Desta forma, a “Fazenda Grande” aprendida no “Primário” do Grupo Escolar João Pessoa, torna-se viva pelas ilustrações do autor. A morte de José Pereira de Sá no Piquete, em defesa de sua prole feminina, dá um tom dramático ao episódio da Balaiada. A sabedoria feminina e o poder religioso de Dona Cândida de Xavier de Matos como elementos fundantes da nossa cultura fazem lembrar a religiosidade e a força de nossas avós.
O ponto alto do livro é mesmo o Campanário (aqui entendido como uma ampla metonímia) e tem um efeito imediato sobre a memória do leitor colinense. As descrições da “festa de dezembro” nos levam desde os apitos feitos com as palhas das barracas do arraial até o leilão na igreja matriz. Dos padres Macedo, Felix e Damasceno às irmãs Terezinha e Consuelo. Da festa do vaqueiro e da corrida de cavalos às festas religiosas nos povoados. O Campanário da Padroeira é um livro obrigatório para qualquer colinense, uma excelente referência para todo historiador e uma ótima leitura para os amantes de literatura e de cultura brasileira.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Reportagem da Veja sobre o CINEC de Colinas (1968)

A aclamada reportagem na Revista Veja sobre o Cinec de Colinas-Ma. Eis a reportagem publicada na Veja nº 3 de 25 de Setembro de 1968, na íntegra.Trata-se da incrível experiência educacional de um pequeno município do Maranhão, na década de 60, baseada nas ideias de Paulo Freire e na criatividade, coragem e competência do Padre Macedo. A experiência rendeu frutos e é preciso reaproveitá-la agora!



terça-feira, 24 de abril de 2012

Freud e os cachorros de Cervantes

            Já é bastante conhecida a história de que, ainda na infância, Freud passara das leituras bíblicas para as de Shakespeare e Cervantes. Que, na adolescência, viajara insone pelo magnífico mundo da literatura deixando em sua vasta correspondência rastros do seu estilo. Legando assim um conjunto de textos pessoais cujo valor ultrapassa o da informação biográfica. As marcas deixadas em suas cartas juvenis sugerem uma formação literária precoce que prenunciam sua sagacidade futura na abordagem de questões psicológicas. Elas nos dão a impressão de que cada virada de página desfolhava um conjunto de questões que, numa fase ulterior, seriam as fontes incitantes de seu espírito engenhoso.
            Tão complexa e romanesca quanto a estrutura familiar na qual Freud se constitui são as relações literalmente familiares que estabeleceu com suas obras, autores e personagens preferidos. Por vezes, cognominando a si próprio com nomes de personagens de romances, noutras designando suas crias teóricas com sobrenomes da estirpe literária.
            Em toda extensão de sua obra o Pai da psicanálise dá a ver o gosto que faz em estabelecer os laços de aliança desta sua filha dileta com a tradição literária. O complexo psicológico mais importante, sem o qual, segundo ele próprio, a família da psicanálise estaria dissolvida, recebe o nome de “Édipo”. Noutra cena clássica de sua vasta obra, o personagem da mitologia grega “Narciso” inspirar-lhe-ia outro conceito fundamental, este batizado com o epíteto de “narcisismo”.
            A formação cultural de Freud tem, portanto, na literatura um traço tão definido que, se não podemos atribuir-lhe o papel de esteio, ou mesmo de andaime do edifício da psicanálise, também não podemos negar que é a partir da littera, da natureza literária de sua obra, presente em sua escritura que se desenvolvem a forma, o estilo e, porque não dizer, a beleza e a garantia de sua teoria.
            Na adolescência, em sua correspondência escrita em castelhano, e dirigida a E. Silberstein, Freud assina com o cognome Cipion e trata o amigo com quem se correspondia como Berganza, nome de dois cães personagens de um conto de Cervantes. Durante o curso de medicina afirmava que preferia Cervantes aos livros de anatomia cerebral.  Podemos supor que estaria já aí, na preferência pela disposição à “escuta” de Cipion e pelo “desejo de falar” de Berganza, os rudimentos de um dilema bem posterior, questão fundadora da psicanálise: a saber, a importância conferida à palavra em detrimento do puro funcionamento orgânico das estruturas neurais. Sem dúvida, não podemos deixar de reconhecer no diálogo presente em El coloquio de los perros o prenúncio do que mais tarde viria se repetir na fundação da própria psicanálise, a inauguração de um tratamento que consiste fundamentalmente num sujeito que escuta a fala do outro, em detrimento de uma abordagem que atribuísse aos sofrimentos subjetivos razões puramente orgânicas.
            Marialzira Perestrello fez alusão a esta questão no livro “A Formação Cultural de Freud” citando um trecho do diálogo entre os dois cães personagens de Cervantes que extraímos e apresentamos abaixo:
 
Berganza:  Desde que tive forças para roer um osso, tive o desejo de falar, para dizer coisas que depositava na memória e aí, antigas e muitas, ou se amorteciam ou as esquecia. Porém agora, que tão sem pensar, me vejo enriquecido deste dom divino da fala, penso gozá-lo e aproveitar-me dele o mais que possa, apressando-me em dizer tudo aquilo de que me lembre, ainda que seja de um modo atropelado e confuso.
Cipión (mais adiante): Fala até que amanheça ou até que nos ouçam, que eu te escutarei de muita boa vontade sem impedir-te, senão quando ache necessário.
            No atual estágio da ciência, sobretudo em sua feição tecnocientífica ou fáustica- para ficarmos na seara de nossa preferência- advogar que em excertos literários estariam as fontes primárias de algum saber de aplicação clínica, poderia ser tomado como uma leviandade, não fosse o peso que tem o fato de os homens continuarem a recobrir seus neurônios com símbolos das mais variadas tintas. Que tanto preenchem sua humanidade quanto o mundo cheio de preás da cadela Baleia de Graciliano.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A Aba do paPoÉtico

Zema Lança
Papai baba
A aba do paPoÉtico
Outrora etílica
Ágora ética
A trupe trepa
Na (f) ilha
Quatrocentona
O Paulão do Poeta.
Na asa do carcará
O sema do Zema geme
Poiésis
Engenhos
da gema
decantada
D
E
G
L
U
T
I
D
A
Com o fel do fidalgo.
Da aba do seu chapéu
Cai Coxinho canibal
Novilho brasilnu
De sotaque modernista
De dentição tropical
Que surfa na aba - poru
Só pra comer Explorer
Navegador digital

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Anti-poesia

Anti-poesia
Bruta
O que seria?
Rua
Que engarrafa
Fumaça
Aço
Ódio
Pressa?
Dinheiro
Alfafa desses dias?
O que seria?
Falta de Us Top?
Riso triste de Botox?
Reality de fantasia?
Anti-poesia
O que seria?
Alegria tarja-preta?
O branco da Xenofobia
O show de todo dia
O pânico de proveta
Anti-poesia
Seria?

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O Silêncio

O silêncio é fala fingida
Que faz sem querer falar
Corta a carne faminta
Clama ao querer calar

Fere ânsia lancinante
Sangra o sonho em sacrifício
O silêncio segue cortante
Sem contestar o suplício

Cala-se por elegância
Silencia por sapiência
Torna palavra-migalha
Alimento da esperança

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Letras castas

Letras mais esquivas!!
Roçam a pele da página
Lambem da fala os lábios
A oração subornam com perfumes   
Mas, bem que nuas, rejeitam a romança
Negam-me o que mais queria:
Um beijo de língua na boca da poesia

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Língua em silêncio

O silêncio do brinco em tua orelha
Roça em meus lábios fulgor incontido
Faz da língua intromissa centelha
Enquanto cantas obscenos gemidos
E intumesce a melodia inteira
da língua inefável
Que tanto mais fala ao fazer-se falo
Quanto escuta o ouvido
Ao ser lambido.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Oficina

Vício de consertar poemas
os feitos de mim
velhos, miseráveis
imploram por escrito: não cremas!
Vão pra oficina.
Com
certo
trato
tornam
se
abstratos
no torno
retorço
os retos
conformo
os tortos
liquefaço
concretos
eruditos
destroço.
Oficina de poemas:
nobre sina
serra verso
corta termo
prega rima
lavra dor.
Velhos poemas consertados,
quem os quer, Amor?

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Asfixia

                  (para Giselly, que o recitou no Festival Maranhense de Poesia Falada, em 1987)

Falta ar
Passam idéias sufocantes
todas pela metade
O coração é um tanque de guerra
a cabeça, um míssil desativado
a alma flutua sobre o prodre resto de corpo
sobre braços ocos sem a carne da paixão
veias gélidas,
         fúnebres
passos desatinados nas linhas da mão
os olhos abertos num quarto sem tua luz
sob o susurro do esquecimento
o silêncio toca o disco da tua voz
Para a oficina do ser eu
o ser tu já não é dito em mim
Sou um monumento europeu
ou um mendigo num sono de jardim?
Talvez seja o jornal que abraça o mendigo
talvez a ferrugem na flecha do cupido...

quinta-feira, 31 de março de 2011

Samba de Blog

Samba de Blog 
por: Jarbas Couto e Lima
Amigo, me perdoe o desprazer
Bebedeira me destrói, fui buscar outro lazer
Passei ao computador
Escrevo num livro de faces
Tenho aqui um provedor
Que fica lá nos States
Bate-papo agora é mudo
Sem garçom, sem tira-gosto
Sem garota que passe
Sem ver tristeza no rosto.
O meu sítio digital 
(Não pense em fruta, nem flor)
É uma terra sem quintal
Quando vou ver os vizinhos
Uso um navegador
Com propaganda na proa
Mas sem santo protetor.
Mesmo assim, trafego em tudo
Sei até em demasia:
A viagem da vizinha
As bodas da minha tia.
No vaivém do mercado
Inflacionei amizades
Só de ver a quantidade
Já me sinto o bem amado
Somei contatos da rede
De um amigo mais prezado.
Nesse orbe sem boteco
Ama-se sem abraço
Há multidões sem toques
Em encontros abstratos
Pra encurtar conversa,
Já que estou com e-mail aberto
Quando for me visitar
Peço-lhe o obséquio
De postar no meu mural
Pois conta para o prestígio
Deste amigo virtual.
Refaça lá no meu Face
O convite que me fez
Que vou pesquisar no Google
Ou talvez no myspace,
Com que samba eu vou pro blog
que você me convidou.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Rosa Distraída



Rosa Distraída


Uma paixão quando nasce
É uma rosa distraída
Pertinho de um beijar-flor
Um samba quando toca 
Um coração presunçoso
Ecoa a arte cuitelo
Cuida, depois sorve
A seiva rara asilada
No imo oco do vaso
Do coração sofredor.
Assim, no reino da distração
Samba e beija-flor
São serviçais da poesia    
Que cobram sua vassalagem
No auge da agonia
Em rosas sujas de dor


quarta-feira, 23 de março de 2011

Pingo

        
Pingo 
Molha, mas falha
Costura brilho corisco
Corre risco
Escorre vidro
Risca tarde
Janela cortina
Franze franzino chuvisco

Pingo
Mancha, mas pinta
Café, laranja, mamão
Gruda juntinho tecido
Confio ter sido
salto
gole gula
sem fio ser fio
sem nó
som
Pingo
Mede,um pingo!!!
Mas enche
Seca desejo
Ganância
sacia jejum

Pingo (de gente)
Eu
Pingo
Pingo
Pingo

quarta-feira, 16 de março de 2011

Criar (para Lúcia Santos)

                                                   Criar
                                          Por: Jarbas Couto e Lima

Criar. Houve outra terrena salvação?
Sobre o símio solo necessário do seu pão
O homem precário elevou-se atlântico
Erguido à noite rubra de um sarau de estrelas
Ali, dançara sinuosa a carne do afã
Vestida de nua deusa de luz aldebarã
Criar. Há outra terrena salvação?
Será sereia no alvorecer da inspiração
Em mágico cântico que a palavra entoa  
Em fulgor solar da significância à toa    
Na mais clara noite que nenhum dia ousara  
Por trás mesmo dos cimos da desilusão  
Abrolha faceiro o feixe brilhante, a criação.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Encantada



Domingo à noite, dia dos pais, minha filha de 07 anos insiste em que eu veja com ela um filme que ela adora. Assim fizemos. Arrumamos o sofá, ela deitadinha sobre meu peito, começamos a ver Encantada. No Filme, Giselle é uma bela princesa que, às vésperas do seu casamento, é empurrada num poço profundo por uma rainha malvada, madrasta do príncipe, que queria evitar o casamento do seu enteado para não perder o trono. Dessa forma, a malvada conseguiria banir Giselle de seu mundo mágico e musical (a música é linda!). Entretanto, das profundezas do poço, esta ressurge sobre uma tampa de esgoto, em Manhattan dos dias atuais. Perdida na metrópole americana e ainda vestida de noiva, a moça continua a procura por seu príncipe. Então, ingenuamente, acaba subindo num Outdoor onde havia a foto de um castelo, supondo estar ali a porta do seu mundo perdido. Aquela cena inusitada é descoberta pela filha pequena de um passante que, a pedido da filha, socorre a princessa e a leva para casa. O pai da garotinha é Robert, um advogado divorciado prestes a casar novamente e que desperta em Giselle uma nova paixão. Mas, Giselle ainda não se dá conta do sentimento e continua a esperar o príncipe Edward, que decide também deixar o mundo mágico para procurar sua amada em Manhatan. Depois de muitas vicissitudes, finalmente, o principe a encontra. Mas, paradoxalmente, ante a iminência de voltar para o seu reino, Gisele começa a perceber sua paixão pelo advogado e pede para ficar mais um pouco para uma festa. Assim, (num final surpreendente para histórias infantis), Gisele termina descobrindo seu novo amor e ficando em Manhattan com o advogado. Por outro lado (suponho que para as coisas ficarem mais palatáveis), a noiva deste encanta-se pelo príncipe Edward e é levada para o mundo encantado, onde se casam e vivem felizes para sempre.
Em alguns momentos do filme em que fiquei distraído, minha filha chamara-me a atenção para que eu não perdesse o final. Após assistir atentamente o final, como ela queria, fiquei intrigado, pensando em porque ela insistira tanto para que eu visse essa mudança brusca de escolhas de duas princesas prometidas. E olha que eu tinha acabado de ver o filme “Os Normais”, onde essa alternância de casais também ocorre, de maneira nada ingênua, às vésperas do casamento. Depois de passar uma noite perturbado com a questão, perguntei, então, para minha filha porque ela quis tanto que eu visse aquele final. Ela respondeu que apenas queria assistir ao filme comigo, só porque era dia dos pais.
É claro que pode ter sido este mesmo o motivo. Só ela saberá. O que importa é que minha filha acabou me dando um belo presente. Desde que vi o final do filme, comecei a pensar sobre o desejo nas mulheres. Aquelas mudanças de amores deixaram-me um tanto preocupado com a idéia que tenho de amor romântico. Como podia uma princesa que acabara de encontrar o seu príncipe e que parecia tanto amá-lo, mudar assim de amor tão rápido? Como podia que ela não tivesse dado conta disso (embora continuasse desejando que seu príncipe amado viesse buscá-la) e, só após a chegada deste, tenha descoberto que seu desejo já se dirigia para o advogado? Não estava acostumado a pensar que princesas podiam ser tão instáveis em seu amor. Muito menos que elas pudessem desejar outros homens ainda vivendo a expectativa do casamento com seu príncipe. Cheguei a ficar perturbado e a me perguntar o que realmente me incomodava, senão o fato de eu ter descoberto pela minha filhinha algo tão simples e que todos os homens ou, pelo menos, os pais fazem questão de esquecer: que as mulheres desejam e que suas vidas não se resumem a partilhar um mundo mágico com seu príncipe encantado. Outra coisa que talvez seja tanto atual quanto insofismável nesta historinha é que, mesmo pensando amarem seus príncipes encantados, as princesas mais doces do mundo podem ter seus sentimentos traídos por um desejo que elas próprias parecem desconhecer (embora  possa haver indícios disso).
No dia dos pais, aprendi que é bom que admitamos a possibilidade de sermos superados por outro homem em nossos atributos encantados, mesmo quando nos sabemos amados pelas nossas princesas. Obrigado, Milena!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Striptease Blues

Striptease Blues (Para Meu Amor)


Mora em meu avesso
em vestes céus azuis
um velho homem nu de nuvens
de algodão
provocante ao se despir do preço
revelando aos poucos sonhos
de verão
desvestindo lento a alma ao som de
um blues
até, enfim, expor seu coração
à luz
que aceso cede ao sedutor impulso
-posto que, além de músculo, é vaso-
de encher-se afoito no sangue dos teus pulsos.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Paradoxo Reflexo



Com a licença dos iniciados no tema, faço aqui uma breve reflexão sobre nossa dita rebelde (a meu ver, simplesmente, birrenta) ilha de São Luís. Cultural, econômica e geograficamente distante do interior, a capital, longe de ser uma síntese do Maranhão é marcada por peculiaridades em seu jeito de ser miserável, suja, doente, ignorante e, ao mesmo tempo, bela, romântica, literária e até mesmo rica.
À margem destes traços negativos, é comum vermos São Luís cada vez mais sendo apresentada e reconhecida como a capital da cultura popular. Seja esta cultura popular higienizada, espetacularizada ou não. Porém, para além do que os mitos nos contam, a nosso ver, há, em torno da ilha, um cordão etnocêntrico de valorização exagerada de exotismos de sua cultura “popular” e “histórica” que distancia-nos de valores universais cultuados no mundo “civilizado”. Não haveria nenhum problema em supervalorizar a cultura popular local, baseados na idéia de que transformá-la em riqueza atrairia o olhar dos outros, se não fosse esta uma forma também de nos fazer acreditar em lorotas bem modernas e de conseqüências nefastas em nosso cotidiano.
Na supervalorização de São Luís como capital da cultura popular estamos diante de uma estratégia nada inocente que consiste em exacerbar algo, justamente, para escondê-lo. Em primeiro lugar, podemos perguntar-nos: sendo a cultura popular uma riqueza, por que seria necessário inflacioná-la aos olhos dos outros para que fosse vista? Fica-se como em desenho animado japonês, exagerando o tamanho do olho dos personagens apenas para denunciar quão diminuto ele é na realidade. O mais grave é que esta tentativa de chamar a atenção do outro para a grandiosidade maquiada de nossa cultura popular - uma atitude intuitiva comum a diversos povos- tornou-se o eixo de nossas políticas culturais locais.
Desta forma, o popular, simplesmente por ser popular, é colocado exageradamente acima de qualquer outra expressão da cultura tomado em sentido amplo. É claro que há o universal no popular, mas aqui não são os consensos, as honestidades, as harmonias, as poesias, a simplicidade, a natureza, inteligência que são cultuados nele. A primeira vista, o que justifica a idéia de colocar São Luís como capital da cultura “popular” é a suposição de que, por ser esta cultura uma expressão do “nosso” povo, atual ou antepassado, isto faria  dela a expressão mais autêntica de nossa identidade e quiçá um produto inédito e exótico para o turismo.
Nos últimos anos, talvez em conseqüência da globalização, vemos um fenômeno complementar, ainda que estrangeiro, se instalar com uma falsa superação desta estratégia. Uma espécie de invasão do internacional popular e da tecnologia na cultura local, numa  forma de inclusão da nossa cultura no mercado de bens simbólicos. Em diversas frentes esta presença é sentida, a saber: espetáculo e tecnologia na música (banda de forró, Marafolia, sertanejos, radiolas de reggae, hip hop) popularização do vídeo e tecnologia de gravação (festivais, pirataria), o discurso da Nova Administração e sua companheira inseparável, a gerundização (“Eu posso estar fazendo um desconto pra você ou você pode estar comprando parcelado!!”), o estilo consumis ta nouveau riche da classe média, etc.
Ao tentar conciliar o internacional popular com a cultura popular local, a São Luís contemporânea torna-se, antes de tudo, um paradoxo, mas não abre mão da estratégia cultural anteriormente adotada. Nesta nova forma de valorização do popular, projeta-se o popular e o histórico revestidos de novo em plano expandido. Ao mesmo tempo, continua-se a ocultar o nítido contraste entre a miséria e a luxuosidade, a carnaubeira obtusa e a avenida retilínea esburacada, a direita atropelando-se em cobiça e a esquerda vazia (falo do trânsito), a Oligarquia (um gênero político comum por aqui) e o Estado. Como num espelho, opostos se confrontam e se ad/miram paralisados pelo narcisimo.
Este paradoxo reflexo serve como uma metáfora, como uma lente capaz de ampliar a oposição entre imagens geralmente distorcidas em dimensões opostas de forma a uma ocluir a outra. Assim a luxuosidade dos prédios e carros escondem progressivamente a miséria tão próxima deles. A Oligarquia oblitera o Estado, a direita lenta e ambiciosa se oculta na esquerda vazia, a carnaubeira obtusa preenche o espaço legítimo das palmeiras. Onde o Sabiá háverá de cantar? Que Sabiá?

sábado, 9 de maio de 2009

RICA’RTE



Os amigos, naturalmente, são pessoas que nos encantam. Logo estão a bailar gargalhadas em nossa sala de estar. Também não demora muito para compartilharmos eventuais tristezas doidas neles tanto quanto em nós. No cotidiano, todavia, são mesmo é o pano de fundo de nossas almas paranóicas. Vemos neles uma imagem especular do que gostaríamos de ser e sabemos que nunca somos quando eles não estão ali.


Ricarte Almeida Santos é desses amigos que a gente admira, se espanta, se extasia. A sensibilidade e a delicadeza de Ricarte, no entanto, deram a ele a capacidade de "amizar" com ninguém menos do que a própria música, em pessoa. Poderia dizer: mais precisamente o choro. Mas, estaria cometendo uma grande imprecisão. Talvez, para ser mais preciso, precisaria ser mais abrangente: com a arte.


Rico por definição, seu coração transborda sensibilidade e harmonia. Rica'rte é um homem rico (um dos mais ricos que conheço) e marcado pela versatilidade. Como todo bom chorão, sua arte de viver dá um toque de Midas em diversas escalas. Vai de Fá a Lá (106 oitavas acima) no luxuoso "Chorinhos e Chorões" até uma esplêndida atuação RIPP contra as injustiças sociais.


A força e a dedicação dessa arte se ancoram em profundas raízes. Seu pai lhe deixou o legado do choro e com ele a certeza de que um homem chora sempre que pode. Assim, Ricarte sempre soube nos fazer chorar de arrebatamento ante a beleza de suas criações. Ademais, nem tudo é choro. Seu melodioso conhecimento desliza por entre ouvidos internos e externos à música do mestre Ernesto Nazaré. Um virtuoso do instrumento de conhecer a música brasileira, sua execução majestosa faz legato do choro ao samba com maestria. Nem por isso, há menos extensão sonora em seu instrumento quanto se trata de tocar a música e os músicos da terra.


Mas, convenhamos que nada se compara a sua presença carinhosa e amiga. Rica'rte de viver, Rica'rte de ouvir, Rica'rte de chorar, Rica'rte de sorrir. Ricarte sempre!

A Caneta e a Palheta





Insiste em mim um lapso. Perco sempre canetas. Não apenas as perco como elas próprias tratam de se livrar de mim. A última foi quase um investimento. Muito cara, inventou de emperrar a engrenagem que se esconde sob aquela bela estrutura de metal que faz a diferença na hora de comprar. É sempre assim, quando começo um chamego com minha nova caneta, logo um defeito surge ou um esquecimento trata de nos afastar. Isso não passaria de uma deformidade pessoal ou um estranho gosto por perder canetas, se não fosse outra "psicose" igualmente curiosa.


Para além de minha consciência há uma aptidão, quase uma autoridade em nunca perder as palhetas da minha solitária guitarra, embora esteja esta sempre mais próxima do canto do que do peito. Contudo, quando empunho a abandonada guitarra, como uma espécie de São Longuinho, ela dá sempre um jeito de fazer reaparecer aquela palheta há muito perdida. Cheguei a acumular várias de tanto repô-las e logo em seguida reencontrá-las. Tenho uma linda, marrom com rajadas cor de fogo. Despretensiosa, já está comigo há mais de oito anos. Intriga-me encontrá-la repentinamente quando pensava já tê-la perdido.


Porque amiúde perco canetas e preservo palhetas? Há perguntas cujas respostas estão tão escondidas que nem São Longuinho nos ajuda a achar. Respostas-canetas que se perdem para sempre. Teremos que ir mais fundo na história dos deuses. Talvez, Apolo com o auxílio de sua irmã Ártemis, deusa da caça, nos indique como encontrar uma resposta. Com seu caráter multifacetado, Apolo foi identificado como deus da música, da poesia e das artes. Sendo o patrono do Oráculo de Delfos, era o deus dos adivinhos e profetas.


Dentre as muitas narrativas que tem este deus grego como protagonista, consta-se que Apolo recebeu de Hermes uma lira que este havia criado com o casco de uma tartaruga e com as tripas do gado que havia roubado do próprio Apolo. Indignado com o furto, Apolo exigiu de Maia, mãe de Hermes, que seu filho devolvesse o rebanho. Enquanto a discussão prosseguia, Hermes começou a tocar a lira, a música foi tão admirada por Apolo que este perdoou Hermes pela pilhagem.


Daí a solução do enigma da caneta e da palheta. Com sua magia melodiosa, a música acha o que não se procura, junta o que se tomou por separado, aproxima os longínquos e apazigua os deuses. Assim, a guitarra encontra a palheta.


A caneta, por sua vez, não tarda em perder-se. O papel nu, mudo e envergonhado dela se esconde sem promessas. Enquanto a palheta encontra, a caneta não pára de se perder. Assim, para reencontrá-la, é preciso, primeiro, escutar a música reprimida nestas caraminholas literárias.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Amizar

Caras (os) Amigas (os),
Procurei um tema para retomar as postagens no Blog. Ocorreram-me alguns assuntos. A já assustadora "gripe suína" veio do medo, o machismo na escrita me ocorreu quando utilizava um pronome de tratamento para iniciar uma mensagem. Dei-me conta que utilizamos "Senhor (a)", mas nunca "Senhora (r)". Seria a gramática uma senhora machista? Para não entrar nesse terreno perigoso, prefiro escrever sobre a amizade que é um tema sempre atual e cuja gramática interessa-me mais conhecer.
A história está repleta de grandes amizades. Marx e Engels, Freud e Fliess são exemplos de parcerias da vida intelectual. Zagalo e Parreira, no futebol. Na música, temos os clássicos amigos Roberto e Erasmo. Aliás, parece que as duplas sertanejas encantam tanto pela amizade quanto pelas canções. Chitãozinho e Xororó são mais que uma dupla. Seus codinomes unem a delicadeza dos pássaros cantadores ao afeto das canções. Mas sabemos que há tantos amigos visíveis e invisíveis na vida dos célebres quanto dos anônimos. É comovente a amizade que presenciei entre um pedreiro simples, Seu Riba e Seu Domingos (é assim com o respeitoso "Seu" que eles se tratam), seu fiel ajudante.
Não pensem que porque só menciono amizades masculinas, eu seja como a Gramática, machista. Estou informado que, de acordo com um estudo da Universidade de Manchester, na Grã-Bretanha, as mulheres costumam formar amizades mais profundas e duradouras. Talvez a falta de notoriedade dos casos de grandes amizades entre mulheres seja a própria essência da forma da amizade. A trivialidade, a simplicidade das relações, a privacidade, a delicadeza, próprias do feminino, seriam o apanágio da amizade? A amizade masculina seria assim uma expressão de valores e sentimentos femininos? Talvez, por isso, o lema do Exército brasileiro seja "braço forte, mão amiga". A força fica com o braço (masculino) a amizade com a mão (feminino).
Assim misturada à sexualidade e talvez por ser desta derivada, a amizade é uma das mais sublimes invenções da cultura humana. Cultivá-la com apuro é o próprio exercício do amor e da delicadeza. Curioso que não exista o verbo "amizar", mas é preciso conjugá-lo, independente de gênero, número e grau.